Coerência e responsabilidade

<font color=0093dd>Sim à despenalização da IVG</font>

Luís Gomes
Coerentes com as suas responsabilidades, os deputados dos Grupos parlamentares do PCP e do PEV votaram contra o referendo, onde se pretende saber «se a mulher que aborta é ou não criminosa».

Por vontade do PCP, há décadas que o parlamento tinha poupado as mulheres à humilhação

No debate de dia 19, na Assembleia da República, em que foi aprovada a proposta do referendo sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), o grupo parlamentar do PCP ainda apelou para que «deixem os problemas de consciência para as mulheres que têm de decidir, mas não fujam à responsabilidade enquanto legisladores», nas palavras de Odete Santos, mas PS e BE teimaram e aprovaram um segundo referendo.
Ao optarem pela via referendária, os deputados das restantes bancadas preferiram seguir o caminho da «devassa da privacidade das mulheres, indo perguntar, aos outros, se as mulheres têm capacidade para tomar decisões e direito à saúde reprodutiva», ou se, «o Estado, em nome de metafísicas concepções de uma parte apenas da sociedade, deve invadir a privacidade dos quartos de dormir, e ordenar às mulheres que tenham filhos não desejados nem planeados, contra o seu direito de maternidade consciente», acusou a deputada.
Odete Santos salientou ainda que o aborto clandestino é um problema de saúde pública e recordou a luta de séculos das mulheres pelo direito ao domínio da sua sexualidade, que continua com «perseguições penais, até aos dias de hoje».
É contra essa criminalização que o PCP e os seus aliados continuarão a lutar, a partir de agora, pelo Sim à despenalização, no referendo aprovado apenas à terceira tentativa, com os votos favoráveis do PS, PSD e do BE, e a abstenção do CDS-PP.

O preconceito e a devassa

Ao denunciar que «sempre se quis disfarçar e mesmo esconder por debaixo da violência do aborto clandestino, o preconceito contra a mulher», Odete Santos lembrou que esta é uma «luta pela dignidade do sexo feminino». «Por isso»,considerou, «o argumento da protecção da vida intra-uterina é um argumento de violenta hipocrisia, porque se sabe que não se protege o embrião nem o feto com a criminalização».
Por isso, o PCP considera que nada resta «na argumentação procriminalização, excepto o tal preconceito» que «cerceia às mulheres o direito de opção», como aconteceu, décadas atrás, com a prisão de mulheres que divulgaram o planeamento familiar e o controle de nascimentos, denunciou Odete Santos.
Graças ao preconceito, o Estado arroga-se no direito de devassar as mulheres, «como se fosse dono da sua fecundidade».
A deputada também recordou a evolução constatada em várias conferências internacionais da ONU, de onde saiu o apelo ao fim da perseguição penal das mulheres que abortam clandestinamente.

O PS e as mulheres

Por cá, «por força da maioria absoluta do PS, ainda se convoca a praça pública para perguntar se a mulher que aborta é ou não criminosa», se devem ou não dirigir-se ao estrangeiro para interromper a gravidez em segurança», salientou Odete Santos, recordando que são as pobres, «ou as que estão um pouco acima do limiar da pobreza que têm de remeter-se às agulhas de tricotar, ao vão de escada, à clandestinidade de uma porta, por detrás da qual se sente o sofrimento das que tomaram decisões difíceis, mas morais, como as assentes na sobrevivência da própria família», considerou.
Esta realidade reflecte o «pequeno poder negocial» das mulheres junto do PS, prosseguiu Odete Santos, recordando a forma como foi conduzido, em 1998, o processo que levou ao primeiro referendo e à continuação da criminalização.
«As mulheres» - explicou - «foram sujeitas a um referendo, depois de estar aprovado, na generalidade, um Projecto-Lei», do PCP, que despenalizava a IVG.
Entretanto, «sentaram-se no banco dos réus e sofreram devassas».
A deputada fez notar que o mesmo PS é, no entanto, contra o referendo sobre a destruição de embriões na clonagem terapêutica para formação das linhas de células estaminais embrionárias. É que, aí, estão também em causa «os interesses das multinacionais que investem na investigação científica», acusou.

10 semanas é má opção

O Grupo parlamentar comunista também demonstrou como é errada a opção, defendida pelo PS e o BE, das 10 semanas de prazo-limite para a IVG, em vez das 12, propostas pela bancada da CDU.
Odete Santos lembrou que, na União Europeia, os prazos são, no mínimo, superiores às 10 semanas, e deu o exemplo francês, onde, em 2000, uma alteração à lei teve de ser introduzida para que a despenalização passasse para as 12.
Um relatório pedido pelo governo de França, em 1999, concluiu que o prazo das 10 semanas era insuficiente e pesava, particularmente, sobre as mulheres em situação de precariedade, agravando as desigualdades sociais e fazendo com que mais de 5 mil, por ano, recorressem a clínicas estrangeiras. Por esse motivo, a lei foi rectificada das 10, para as 12 semanas.

A luta continua!

Confrontados como este «”referendo passa-culpas”, «estaremos no combate, para provar que as mulheres não são criminosas», garantiu a deputada, reafirmando que, para o PCP, do que se trata é de «um problema de saúde pública, um problema social e de política criminal e não de um problema de consciência para os deputados».
Ao lembrar que também nas zonas mais tradicionais e permeáveis ao Não à despenalização, «as mulheres fazem desmanchos», a deputada salientou que, em causa «está a aplicação do artigo 18.º da Constituição Portuguesa, e não o problema de determinar quando começa a pessoa humana, porque aí, as opiniões dividem-se» e «não há ninguém que possa exigir ao Estado que imponha as crenças de alguns», concluiu.

Todos pelo Sim

No propósito de sensibilizar a opinião pública, para que não se repita o que aconteceu no referendo anterior, o Movimento pela Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez está já a desenvolver acções e apela à participação de todos, contra a criminalização das mulheres que recorram à IVG.
No dia do debate parlamentar, este movimento enviou uma carta aos deputados onde apelou para que usassem a sua legitimidade e responsabilidade «para mudar a lei, sem mais demoras, porque referendar não é despenalizar!».
O movimento denunciou «insuficiências no acesso a consultas de planeamento familiar» e que «está por concretizar a educação sexual nas escolas».
No dia anterior, organizou um jantar com 100 participantes, onde ficou decidido que intervirá activamente no esclarecimento, pela despenalização.

O crime está na lei

O aborto clandestino, em Portugal, é a segunda causa de morte materna e a primeira entre as adolescentes, denunciou um documento distribuído, frente ao parlamento, pela União dos Sindicatos de Lisboa, USL/CGTP-IN.
Segundo os dados disponíveis, 25 em cada 1000 adolescentes são mães, em Portugal, e, nos últimos 20 anos morreram, oficialmente, 100 mulheres, vítimas do aborto clandestino.
Lembrando que «uma mulher que decide interromper uma gravidez não o faz de ânimo leve», a USL apela para «que ninguém pactue com esta hipocrisia», porque «o crime está na lei».

Dados relevantes

Em toda a União Europeia, apenas Portugal, a Polónia e a Irlanda – países onde o conservadorismo católico é mais acentuado – criminalizam a IVG.
Uma clínica privada, em Badajoz, especializada na IVG, admitiu que, nos seus estabelecimentos, passam, anualmente, 4 mil portuguesas.
Só um eficaz planeamento familiar, uma educação sexual sem preconceitos e a despenalização do aborto podem contribuir para a resolução do problema, considera o PCP.


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